terça-feira, 13 de outubro de 2015

Reflexões de uma mulher negra ao completar 30 anos

Chego aos 30 anos como uma pessoa que tem consciência de si mesma e que está começando a ter consciência dos outros e do mundo. Ter consciência dos outros e do mundo é muito doloroso, mas necessário se quiser ter uma existência que valha a pena. Diante da dor da consciência que nos força a nos posicionarmos diante de nós mesmos e do mundo, a ignorância pode parecer uma benção. Na verdade tal ignorância revela nosso estado de imaturidade o nosso despreparo para a vida. Viver é escolher. Viver é escolher? Fazemos escolhas minuto após minuto, Às vezes não temos condições de fazermos as melhores escolhas, Em outras vezes, mesmos com as melhores escolhas algumas boas e desejáveis portas estarão temporária ou definitivamente fechadas, E em outras muitas vezes não fazemos as melhores escolhas porque nos foram impostas as piores, e por não conseguirmos superar tais adversidades, não conseguimos fazer diferente do imposto. Viver é escolher, e penso que a vida pode ser divida em duas fases: a fase em que vivemos sob o domínio das escolhas que outros fazem por nós e a fase em que fazemos nossas próprias escolhas. Eu não escolhi nascer, não escolhi nascer onde nasci, na família em que nasci ,no momento em que nasci... Foram escolhas que fizeram por mim. Também não escolhi minhas primeiras escolas, nem a igreja que frequentei na infância... Também fizeram tudo por mim... Não sei nem dizer que escolhi minha profissão, meu marido, meus amigos, pois hoje, vejo em minhas escolhas profissionais, conjugais e até a eleição dos amigos, a poderosa influência da família, da classe social, da cultura, da religião, enfim, da sociedade como um todo. Afinal de contas, o que são escolhas? Será que somos realmente capazes de escolher por conta própria? O que é a subjetividade senão um elemento sócio-histórico e cultural? Minhas escolhas são fruto do meu tempo. Logo, eu sou fruto do meu tempo. Para me entender, há de se entender as questões do meu tempo! Ainda assim, acredito que mesmo influenciados pelo tempo a liberdade existe, podemos sim escrever e liderar nossa própria história, mas só à medida que tomamos consciência dos nossos limites, isto é, do que realmente somos e do que podemos ou não fazer... Aos 30 anos, sou uma mulher negra e pobre. Amo ser mulher, mas a cor da minha pele é um estigma que carrego no meu corpo e que também faz marcas indeléveis na minha alma, este fato aliado a outro que é ser pobre torna a minha vida muito difícil. Meus pais são pessoas muito inteligentes. Devo a eles muito da minha capacidade de sonhar e pensar, porém, lamento que suas vidas fossem limitadas por questões que em muitas vezes estão fora do nosso alcance. Eles não foram muito longe porque são negros e pobres no Brasil. Suas famílias não pensavam em nada mais além do que sobrevivência. Só a sobrevivência existia no horizonte destas famílias porque não lhes era permitido sonhar com mais do que isso. A realidade era tão dura e seca que o desejo não podia germinar em terra imprópria para o cultivo. Eu sonho com mais do que isso, não quero que a necessidade de sobrevivência determine as minhas escolhas... Eu tenho grandes sonhos, mas a sobrevivência ainda é um peso para mim. Ela é um peso que me impede de voar em alguns momentos. Ela me traz pro chão, me põe freios e não me deixa seguir adiante... Nada disso é justo! Há momentos em que me submeto passivamente como se entregasse os pontos, em outros eu consigo transcender esta realidade. E esta é a luta da minha vida. Não creio que Deus criou ou que de alguma forma favoreceu estas condições históricas lamentáveis que permeiam minha existência e de tantos outros e outras aqui no Brasil e no mundo; Não acredito que Deus colocou uns para mandar e outros para obedecer, muito menos uns para oprimir e outros para serem oprimidos. Acredito muito nos princípios de liberdade, autonomia e responsabilidade que Deus deu aos homens. Gosto de pensar num Deus que gosta de justiça, igualdade e que gosta daquilo que a maioria não dá o mínimo valor e fazer destas coisas instrumentos para revolucionar a existência alheia. Este é o retrato que pinto de mim mesma aos 30 anos. Paula 12.07.2007