domingo, 18 de outubro de 2009

O que é certo? Um diálogo entre duas mentes inconformadas Parte II - Paula

Ligia
Acima de qualquer coisa, vejo no teu texto um desabafo...
Não há o que comentar, tudo isso me fez pensar...

Certo, o que é certo?
Certo é ser autêntico ou se enquadrar nos tempos e padrões sociais?
Ninguém deve, ninguém pode ficar à margem daquilo que a sociedade pensa e exige?
Esta palavra certo, do verbo acertar, me fez pensar da forma como fomos criadas, quando falo da forma em que fomos criadas, falo da educação religiosa que tivemos e falo também de tantos outros que não tiveram educação religiosa, mas que são neuróticos, congelados, sementes embotadas no afã de acertar.
No que diz respeito à educação religiosa, a ênfase no acertar é bastante forte, ou melhor, a ênfase no erro, no pecado é muito forte, pois quem quer errar, quem quer pecar?
Todo mundo é incentivado a ser certinho, semi-deuses...
Ninguém fala abertamente que em se tratando de seres humanos, muitas vezes o que é certo só vem depois de se errar bastante e de se pecar bastante também...
Deus nos fez únicos, insubstituíveis, diferentes, diversos...
Somos de etnias diferentes, falamos línguas diferentes, produzimos culturas diferentes, entretanto há sempre uma instituição social tal como igreja, escola, a indústria cultural e até mesmo a família tentando nos padronizar, tudo isso para nos controlar melhor.
Como vc bem destacou no seu texto, existem vivências que são coletivas, isto é, todo mundo passa por elas, tais como infância, adolescência, juventude, adultícia e a maturidade, só que a maneira com que cada um vive cada tempo é particular e só a nós diz respeito.
Eu fico muito, muito irritada quando alguém pergunta pelo neném que ainda não veio, ou quando alguém teima em enxergar uma barriga de grávida debaixo das minhas batas (que eu adooooooooro usar desde cça) ou de um vestidinho mais solto.
Eu acho que deveriam me perguntar sobre qualquer coisa, sobre meus projetos, sobre o que estou fazendo no momento, meus sonhos, meu casamento, mas sempre me perguntam pelo raio do filho e de uma forma como eu só fosse ser alguém depois de parir... Quando respondo que não penso nisso ou que não tenho planos para filhos em curto ou médio prazo, vc precisa ver as caras...
Me sinto como se fosse de outro mundo, ou será que surtei?
Já ouvi tanta coisa como "Vc vai se arrepender!!!" (uma profecia ou uma maldição?!),
"Como vai ser quando envelhecer, quem vai cuidar de vc?" (Então quer dizer que parir é um ótimo investimento para o meu futuro?)
"É tão bom... vc não sabe o que está perdendo..." (Sei sim queridinha, será que vc não entende que o que é bom para vc, não é bom para mim?!).
Tem ainda aqueles que dizem que concordam comigo, dizem que tudo bem, que ainda sou nova, mas acreditam que um dia ainda vou me converter... E se não?!
É muito difícil encontrar alguém que respeite e que admire minha decisão, meus pensamentos e o que eu sinto a respeito de ser mãe... realmente Lígia não é fácil encontrar alguém que me entenda, que nos entenda...
Vejo no teu texto um desabafo e também um clamor por autonomia.
Um clamor pra dentro de você mesma.
As pessoas nos irritam com estes comentários insensatos, mas vejo ainda forças internas que nos empurram em direção ao que os outros pensam que é certo. Permita-me dizer que a luta não é tanto com que está fora de nós, mas com o que está dentro de nós.
Autonomos - Auto = si mesmo Nomos = leis
Sermos autonomos é sermos donos de nossas próprias leis.
A glória do ser humano é ser autonomo, mas a forma como fomos e como somos criados conspira contra a autonomia.
Uma vez comecei a me questionar sobre o porque ficava tão reativa quando alguém me perguntava se eu não achava que estava passando da hora de ter um neném, diante disso me questionei se estava bem resolvida com a questão e na verdade não encontrei nada de "errado" em mim, assim como não há nada de "errado" com muitas que não querem casar, com os insatisfeitos com suas profissões e que decidem mudar mesmo tendo 70 anos ou com qualquer outro que se lixe com as convenções sociais. Errado mesmo era a minha vontade de fazer o certo só para agradar os outros, para ser reconhecida como a certinha, como a boazinha violentando a mim mesma.
Seu desabafo serve para nos mostrar que viver em sociedade, na sociedade e diante da sociedade exige uma alta dose de equilíbrio porque a socialização desde a primeira infância é importante para que não nos tornemos individualistas, nem insensíveis às necessidades alheias, mas de forma alguma não podemos em função do grupo, ou dos grupos perder contato com aquilo que nos faz essencialmente únicos, especiais, diferentes...
Essas cobranças não mudam, vão sempre querer nos enquadrar nos moldes socialmente aceitos e o que temos que fazer amiga é enfrentar as certezas dos outros aceitando as suas incertezas ao nosso respeito, talvez isso os escandalize e os faça pensar...
Se bem que há os que são tão condicionados que há muito não fazem isso, se é que fizeram um dia...

bjssssss
Paula 16/10/09

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