segunda-feira, 22 de março de 2010

“É duro olhar para os limites. Mas não fazê-lo pode ser pior”. Eliane Brum

Ontem à noite estava assistindo a uma entrevista com José Alencar, nosso vice-presidente que sofre de câncer. Um câncer agressivo que já teria levado muitos outros. Porém o que me chama a atenção na história de José Alencar , e na forma como ele enfrenta o seu câncer é a sua fé, sua coragem, sua firmeza diante de tão terrível adversidade. É claro que ele conta com tecnologia avançada, ótimos médicos, hospitais excelentes, recursos financeiros, coisas que a maioria da população nem sonha em possuir. Mas o que ainda me chama a atenção é quando ele declara que seu problema está nas mãos de Deus e que se Deus quiser levá-lo não precisa de câncer e que se não quiser levá-lo não há câncer que o leve.
Diante de tanta fé e otimismo eu me pergunto como reagiria diante de um diagnóstico de câncer. Não consigo nem imaginar... Penso que antigamente, o câncer era algo bem distante de nós, algo de que só ouvíamos falar e bem de longe, alguns até hoje não pronunciam esta maldita palavra... Já hoje não, ele está bem diante de nós, quando faço alguma anamnese ou qualquer outra entrevista médica, respondo afirmativo quando sou interrogada a respeito de casos de câncer na família.
Mas não é preciso chegar um câncer para aprender a reagir positivamente diante das adversidades, diante das perdas, diante das frustrações tão comuns aos seres humanos. Já ouvi muitos religiosos usando as seguintes palavras fora de contexto dizendo que Deus não nos dá mais do que possamos suportar, enquanto o que Paulo realmente quer dizer é que quando Deus permite que uma tentação ou provação nos assalte, promove também meios para que possamos escapar dela. Estou falando isso porque muitas vezes a vida e não Deus nos dá mais do que podemos suportar sim. A vida não é nem um pouco boazinha conosco, nem seleciona os eventos que nos atingem de acordo com nossa capacidade de resistência, ou de acordo com as potencialidades que conseguimos desenvolver. Em muitos casos somos pegos desprevenidos, despreparados, literalmente com as calças na mão e então como reagimos? Como reagimos se a estrada da vida não nos leva exatamente onde desejamos? O ideal seria nos depararmos com a morte para então começarmos a viver, mas somente os fortes enfrentam bem a morte.
Os fortes são os que enfrentam a morte de forma consciente e responsável. Eu sei que não sou uma pessoa forte. Há um pouco mais de dois anos, perceberam por mim que eu estava doente. È isso mesmo, digo que perceberam porque eu mesmo adoecida e com sintomas bastante evidentes eu não conseguia perceber. Eu dava sinais de cansaço, exaustão, estresse... Havia submetido a uma pressão absurda e achava que aquilo tudo era normal, até que parei de dormir e então realmente me convenci de que não estava bem. Ao me deparar com minha enfermidade, minha reação não foi nada boa, assim como as reações da maioria dos mortais diante de uma enfermidade costumam ser bastante delicadas. Eu não conseguia entender como contribui para produzir aquele estado mental tão conturbado. Uma doença é sempre uma oportunidade para o enfermo fazer uma reavaliação da vida e comigo também não foi diferente. Fui obrigada a reavaliar minha vida e meus relacionamentos na marra e aos poucos fui entendendo como lidava como a vida de uma forma que no mínimo era esquisita, estranha, isso para não dizer incoerente com muitos valores que eu professava.
Acredito que com exceção das deformidades genéticas, nós mesmos criamos nossas doenças. Criamos nossas doenças com nossos medos, rancores, ressentimentos, com nossa ansiedade, com aquela saudade que não sabemos o que fazer com ela, com os desejos frustrados, com nossa fúria incontrolável, com nosso ódio e até mesmo com nosso excesso de generosidade, pois, criamos doenças quando damos muito mais do que recebemos.
Meu marido sempre diz que uma das coisas que sempre chamaram sua atenção para mim são o brilho dos meus olhos e minha paixão pela vida. Eu realmente tenho muita energia, tenho esta gana, esta sede de viver, esta paixão pela vida, mas eu estava empregando esta minha energia de forma errada e isso me deixou doente.
A cura é um processo longo é que está exigindo de mim muita paciência e superar limites que talvez eu tenha imposto a mim mesma. Percebi, ou melhor, tenho percebido que não é a minha história que me limita, mas a interpretação que eu faço dela. Minha doença me forçou a olhar para mim mesma e foi muito doloroso olhar para aquela pintura. O que vi foi uma mulher atormentada, sofrida, dolorida, angustiada, machucada, perdida... Ainda é doloroso olhar para esta figura. Doloroso também foi perceber que não fui eu que pintei este quadro sozinha, mas cabia a mim a responsabilidade de preservá-la assim ou não. E é obvio que quero deixar esta mulher com um semblante mais sereno e feliz, um rosto que transmita paz. Mas só é possível saborear a paz depois de atravessar uma tempestade. Estou aprendendo bem aos poucos que talvez o mais importante não seja apenas atravessar uma tempestade, mas como atravessar uma tempestade, que são inevitáveis.
Eu atravessei esta última tempestade despreparada, perplexa, assustada, em muitos momentos eu parecia uma criança e me comportei como uma criança, isto porque eram os únicos recursos que eu possuía, mas aprendi que tinha que desenvolver outras potencialidades se quisesse avançar. Se quisesse retocar e pintar um quadro de mim mesma que fosse mais agradável de se contemplar.

Paula 22.03.10

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