sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Tudo junto e misturado


Há quem diga que no Brasil não existe preconceito de cunho racial, afinal somos todos misturados e por isso convivemos pacificamente em meio nossas diferenças. No meu Brasil não há convivência pacífica, nem a inexistência de preconceito racial.
Não estou com isso querendo negar a existência de uma forte miscigenação existente em nosso país, a miscigenação é um fato aqui no Brasil, assim como em outros, muitos outros países, estou dizendo que a forma com que ás vezes lidamos com a miscigenação que é controvertida. Somos brasileiros sim, mas como eu mesma ouvi nesta semana, no seio de nosso país há várias nações representadas e o que nos ensinaram no afã de formar uma identidade legitimamente brasileira foi apagar as diferenças existentes entre nós, e pior, hierarquizar estas diferenças. Inicialmente, o Brasil foi constituído pelos variados grupos indígenas que já habitavam neste lugar quando os portugueses chegaram, dos próprios portugueses, e através do tráfico negreiro foi a vez dos africanos, também oriundos de diversos locais do imenso continente africano. Isso sem falar dos alemães, dos japoneses, dos italianos que foram chegando depois... O que estou dizendo com isso? Onde há diferença, há conflito, há choques e a forma como as elites brasileiras arranjaram para minimizar este conflito, foi tentar amalgamar todo este povo a fim de criar uma identidade 100% nacional. A falácia de uma identidade brasileira pretenciosamente morena ou mestiça não dá conta dos conflitos interétnicos existentes em nossa terra, pois, mesmo brasileiros, mesmo habitando um mesmo espaço e falando uma mesma língua, as diferenças persistem e a forma de hierarquizá-las também. Posso ver isso a todo instante, na escola, na igreja, na rua, como hoje mesmo quando presenciei um fato que me levou a escrever sobre isso.
Tomei um ônibus para chegar ao trabalho, este ônibus estava cheio, claro! Quem toma um ônibus às 06:30 da manhã não pode esperar outra coisa... Eu estava de pé bem no fundo do ônibus quando vi um homem de mais ou menos 40 anos se levantar daqueles últimos bancos do ônibus, ele passou por mim e logo depois começou a baixaria: uma mulher um pouco mais velha que o homem, alegou que este pisou em seu pé, ele respondeu dizendo que não tinha sido por querer, pois o ônibus estava cheio. (Vamos combinar que os cariocas da zona norte ultimamente estão bem mal-educados, não cumprimentam as pessoas, não pedem licença para chegar ou sair dos lugares os ônibus, para passar entre as pessoas e quando esbarram em alguém não pedem desculpas mesmo!). E a mulher queria briga mesmo, pois mesmo sob os protestos do cara dizendo que foi sem-querer, ela continuou discutindo com o cara! O homem desceu no jacaré e ela então disse: “Só podia mesmo descer aí, oh no Jacaré. É um bandido!”. São nestas situações de conflito que o preconceito e o racismo aparecem, como apareceu claramente nas palavras daquela mulher, ela teve muito cuidado ao não chamar o cara com suas palavras, de negro safado, negro fedido ou negro qualquer outra coisa, mas subliminarmente o preconceito racial estava evidente, o golpe desferido por aquela senhora de pele clara foi muito maior do que um pisão no pé. Ser negro no Brasil, no Rio de janeiro, infelizmente ainda está associado a ser favelado e bandido. Mudar o nome de favela para comunidade não mudou o sentimento que nutrimos por estes lugares, por estes bolsões de miséria onde a presença da população negra é bem maior comparada a outros grupos. Lembrei-me de um outro fato acontecido no início da semana passada quando a polícia covardemente matou um jovem (negro, diga-se de passagem) trabalhador numa operação num dos morros da cidade, alegando que este jovem era bandido. Parece que há um consenso em julgar estas pessoas que moram nas comunidades como bandidos, vagabundos ou qualquer outra coisa que justifique matá-los através da nossa indiferença, da ausência de políticas que realmente deixem de lado o apelo populista e tratem a desigualdade na raiz.
A desigualdade, o preconceito começa no nosso olhar. Ele está presente permeando todas as nossas relações, ele contamina nosso olhar para o negro, para a população indígena, para os nordestinos e para todos os outros grupos desvalorizados socialmente. Ainda permanece em nosso imaginário aquela pretensão de sermos a imagem e semelhança de nossos “criadores” europeus. Ainda não caiu a ficha de que os criadores tão reverenciados são na verdade colonizadores e que é preciso nos aceitar tal qual como somos descolonizando nosso olhar. Juntos e misturados sim! Mas diferentes e não desiguais e porque diferentes, merecemos igual respeito, igual dignidade, porque somos todos brasileiros, somos todos humanos.

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