quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Um Corpo que Fala


“A revolta de Agnes não se manifestou jamais às claras. Ela cai doente”.

Quando eu era criança vivia doente... Não era nenhuma doença crônica, mas eu era uma criança que tinha uma saúde frágil. Diz a minha mãe que minha avó Margarida sempre pensava que eu morreria de uma hora para outra. Na verdade, eu tinha alguns problemas respiratórios e doenças normais de criança... Hoje eu tenho uma doença chamada dor crônica e ela sim fala de toda uma história que me corpo carrega.
Acredito que nossas doenças revelam quem somos e como lidamos com o mundo.
É algo como diga-me sua doença e te direi quem tu és... Não quero dizer com isso, que esta afirmação atinge em cheio todas as pessoas, aconteceu comigo e pode não ter acontecido com você. Mas uma coisa é fato: nossas crenças, pensamentos e sentimentos transformam nosso corpo através de reações químicas comandadas pelo cérebro. Em outras palavras, como disse Salomão, nós somos integralmente o que pensamos.
Penso que a doença é uma forma radical de dizer que precisamos mudar. Ela é um grito, um últimato que a vida dá após inúmeras tentativas frustradas de nos fazer entender a necessidade de sermos flexíveis.
Eu expresso pouco minhas emoções, desde cedo aprendi a silenciá-las, escondê-las debaixo do tapete do cotidiano. Expressar pouco minhas emoções, não significa que elas não existam, nem que elas sejam fracas. Eu as expresso pouco e as aprisiono em meu corpo, aí elas explodem, explodem meu corpo em forma de doença. O termo técnico para este fenômeno chama-se somatização. Não pense que falando assim faço apologia ao descontrole emocional, à impulsividade e às expressões emocionais desordenadas, nada disso, estou apenas pensando numa maneira de não usar a doença para expressar minhas emoções.
Concluí que para não deixar a doença falar por mim, é preciso uma reprogramação mental, que não é um processo simples. Este requer que crenças, pensamentos e certos estilos de vida sejam abandonados, mesmo que gradativamente, o que representa morte, luto, sofrimento. Mas a doença também produz um tipo de sofrimento, só que é um sofrimento desnecessário, improdutivo, que não produz nada além de desespero e confusão. A cura de muitas de nossas doenças passa pelo sofrimento. Mais uma vez quero reiterar que não faço apologia do sadomasoquismo, o que quero afirmar é que não há crescimento sem dor, sem amputações, sem cortes, sem raspar feridas inflamadas para que possam sangrar. Não há crescimento sem olhar para o espelho, e olhar para este nem sempre é uma tarefa agradável. Afirmar todas estas coisas numa cultura hedonista soa um tanto quanto sórdido, porém, não há outra forma de manter a lucidez num mundo onde somos literalmente obrigados a esconder nossas angústias tão próprias à natureza humana debaixo do tapete do consumo.
Tenho pensado muito nas crianças e na espontaneidade que as caracteriza. Adoro a espontaneidade das crianças, principalmente quando através desta elas nos fazem corar. Adoro a espontaneidade das crianças porque é exatamente esta uma das qualidades que preciso desenvolver para ter saúde.
Em casa, na escola e nas outras instituições sociais destruímos muitas características humanas através de um processo de coisificação, de desumanização, e é claro que pagaremos um preço enquanto indivíduos e sociedade. Ensinamos as crianças a serem dissimuladas, as ensinamos a ficar sentadas várias horas numa mesma posição, e elas aprendem muito bem a lição, não falando o que realmente sentem, cristalizando posturas e aprendendo a ser acomodados e imóveis.
Hoje mais do que nunca eu olho a educação e me reconheço nela.
A Educação é o meu grito de protesto, e penso que assim que ela tem que ser, um protesto contra a desigualdade, contra tudo o que nos desumaniza.
A educação tem que nos instrumentalizar para a crítica, para a transgressão, para a subversão.
É com o corpo que se educa.

Um comentário:

Ligia disse...

Como pensava Platão, o corpo é a prisão da alma, e como todo "bom" prisioneiro, a alma clama por liberdade, e utiliza os recursos que tem: O corpo! Tive uma grande empatia com seu texto Paula, e inclusive falei dele pára minha mãe, cujo corpo tem falado muito.